domingo, 24 de maio de 2015

Salvador

Fiquei pensando muito sobre a experiência que tive em Salvador, especialmente hoje, pois pude ver na noite dos tambores a apresentação da Banda Feminina Didá.

Costumo dizer que fomos pra Salvador brincar, e assim, fizemos.

Desde encontros inusitados com as pernas de pau, ao enorme presente também inusitado de dar aula de Teatro do Oprimido para as meninas da Didá e em troca ter aula de Percussão e dança Afro.

E o que me faz sentir mais alegria foi como chegamos até esses encontros.

De repente, não mais que de repente, encontramos um "flyerzinho" bem simples com a propaganda de oficina de perna de pau que iria iniciar no dia seguinte. Empolgadíssimas e sem saber o que nos esperava, mandamos o e-mail nos cadastrando para a oficina.
Iria acontecer aos finais de semana, sábado e domingo com início às 8h da matina. (ufa).
Então, fomos.
Primeira aula, encantadora...e todas as outras seguiram assim.
Conhecemos pessoas incríveis nesse lugar. Lidamos com nossos medos da maneira mais intensa e divertida. Conhecemos lugares de Salvador que não poderíamos se não fosse esse encontro. E pudemos com isso, nos inserir em uma parte da cidade e de nós mesmas até então, totalmente desconhecida e inabitada.
Encontrei uma das páginas em que descrevi coisas da aula.

- E o corpo?
Exercício contrário do medo. Exercício de coragem, de força. Ao mesmo tempo, humildade de compreender que sente medo.
- E a agressividade? Você retribui? você não retribui? Você é afetado, você não é?
A questão é ser realista pra entender que existe e que tem que lidar. Aos poucos foge do sentimentalismo.
- Perna de Pau?
Você gigante. Gigante do jeito que você é de verdade por dentro e do jeito que gostaria e pode ser.
Talvez por isso gostamos de histórias de gigantes. Nos faz sentir do jeito que somos, mas muitas vezes não expressamos.
- Estar lá em cima?
Sensação de choro parecida com um dia em que estava na estátua viva. Sentia muita dor, mas a sensação agora percebo que não era só a dor, e sim, sensação de que eu estava desprotegida, que eu ia cair e ninguém iria me pegar. Parece que eu tenho muita necessidade de ter alguém pra me amparar, e só depois de ficar certa disso consigo ter força. Dependo do meio externo pra me impulsionar, pra me dar o estímulo que preciso.
Aqui em cima, disse o professor: Nós estamos na nossa forma mais pura e expressiva de ser. Então, é normal o desespero, o choro, a raiva, a angústia. Aqui em cima, não é possível esconder o que se sente. Todas as amarras sociais caem, e é como se aprendêssemos andar de novo, agora do nosso jeito, sem as imposições sociais que nos atravessam.

Aula de perna, ontem, sábado. Descobri que não ultrapasso meus limites. Não tento romper com as minhas limitações. Sou capaz de fazer muitas coisas lá em cima, mas faço poucas coisas por medo e preguiça. Descobri que posso e que consigo e que não é difícil como sempre tenho em mente. Senti alegria e coisas boas.

Outra aula: percebi que as pessoas nunca estarão prontas. Nas aulas é preciso buscar o melhor de cada um. Olhar pra cada um. Observar individualmente cada movimento, cada dificuldade. Proibido o "NÃO". Proibido "bater" (ofender as pessoas). Espaço para treinar o autoconhecimento e contato tranquilo com o outro. Praticar a observação das pessoas. Ajudar as pessoas no processo de autoconhecimento para enxergarem as suas próprias dificuldades. Elas mesmas têm e podem enxergar.  As pessoas conseguem ver e perceber seus desequilíbrios interiores. Quando as amarras sociais caem, todos se mostram como são.
Entendi também que não gosto de me esforçar. Levanto pouco a perna, faço pouco esforço para não me cansar. Também estou levando a minha vida assim. Não ultrapasso as minhas limitações, então permaneço na dificuldade de não conseguir realizar e praticar as coisas que sou capaz e que quero.

Dia de muito sol na Ocupação Vila Coração de Maria do Pedro Moraes.
Continua....