terça-feira, 17 de novembro de 2015

Pensamentos sobre o feminismo

Sou mulher, sou negra, sou lésbica, sou periférica (vim do fundão de uma periferia na zona leste). Minha pesquisa no Mestrado é sobre movimento negro, é sobre identidade, é sobre preconceito racial, é sobre a questão de gênero.
E quando tenho que justificar algumas (só algumas) das partes de quem eu sou, pra argumentar com você, já me deixa um pouco incomodada. Isso porque fico pensando que para o meu argumento ter alguma validade, tenho que falar de algo sobre mim antes. Enquanto que, acredito que a luta ou incomodo ou opressão de quem quer que seja, tenha que ser válido, independentemente de quem seja. Tanto faz a situação econômica, classe, cor, gênero, enfim. Luta é luta. (se for luta de fato).
Ao mesmo tempo, também faço a mesma crítica da autora do texto quando diz que é preciso uma mulher branca que faça algo “bonitinho” para que de alguma maneira o feminismo tenha voz. Isso porque ela é branca. “Apesar” de ser mulher, é branca. Então, está um passo à frente, já que a mulher negra acumula “dois defeitos” não é? Ser mulher e também ser negra.
Voltando...
Li, essa reportagem aqui, e também o título da sua postagem, do tipo: “entendeu, brancas?!”
E fiquei aqui pensando. Você já fez ou já viu uma dinâmica em que numa sala, há várias linhas pra demarcar 1°,2°,3° e por aí vai. Então, o facilitador num grupo de pessoas vai delegando:
Se você é mulher. Dê um passo pra trás.
Se você é homem. Dê um passo pra frente.
Se você teve que deixar de estudar porque tinha que trabalhar. Dê um passo pra trás.
Se você trabalhou só após terminar a faculdade, porque seus pais sempre te deram uma boa mesada. Dê um passo à frente.
Se você é branco (a) dê um passo à frente.
Se você é negr(a) dê um passo pra trás.
Se você é homossexual dê um passo para trás.
Se você é heterossexual dê um passo à frente.
Entendo perfeitamente o sofrimento que o texto aborda, quando se trata da questão da mulher negra. Eu vivo isso, eu sou isso, pesquiso disso, milito isso. Trabalhei em um presídio feminino onde quase 100% das mulheres são negras. Trabalho hoje com menores que cometeram ato infracional, e não é novidade. Há um genocídio dos jovens negros nas periferias. Com mais propriedade, posso falar sobre a do Capão Redondo que é onde atuo hoje e da Cidade Tiradentes que foi de onde eu vim.
Mas aí fico pensando de novo na dinâmica que descrevi acima. Sabemos que ser mulher é um passo pra trás. E sabemos que ser negra é mais um passo. Lésbica então, vai lá mais um passo pra trás. E se for pobre? Estaremos bem no fundo. Então, está claro que a mulher branca (porque é branca) tem um passo à frente em relação à direitos, em relação a exclusão, em relação a discriminação. Mais claro ainda, que a mulher branca e rica tem sim mais privilégios que a mulher preta e pobre. Mas o que fico pensando mesmo, é que não podemos negar a simples luta de que ela é mulher. Que aquele passo pra trás, mesmo que seja um único passo de opressão, legitima sim uma luta. E naquela dinâmica acima, em se tratando do machismo (leia: Machismo, e não classe social, ou cor da pele) ela tem sim representatividade e acho digna a sua luta. Dela e de outras mulheres, mesmo que sejam as brancas ou ricas que muitas vezes não escolhem o caminho fácil da futilidade e sim, fazem algo útil para a questão do empoderamento da mulher.
Então, mesmo que eu saiba com toda a certeza que é uma luta e sofrimento bem diferentes do meu, do nosso. (mulher negra, pobre, lésbica). Fico bem contente, porque ela teria toda a tendência para nesse momento, estar postando vídeos sobre suas compras na Disney, ou de como ficar com o corpo perfeito para o seu namorado.
O que quero te dizer, é que acredito que a crítica deve ser forte, e muito forte, sobre a falta de voz no feminismo devido as mulheres serem pretas, pobres ou lésbicas. Como assim, o feminismo só é legal quando alguém branco aparece nos vídeos? E assim como tanto outros temas só são relevantes, quando são representados por alguém “branco” e bonitinho?
Acho que temos nesse caso, ter algum cuidado, porque quando leio algumas coisas, logo me vem à cabeça o seguinte: “atenção feminismo branco, sai pra lá, porque essa luta é do feminismo negro e apenas as mulheres pretas podem falar”
Mas à luta se tratando do feminismo é do feminismo, e isso inclui TODAS as mulheres. E deveria ser de todxs (homens tbm) dado o devido e necessário protagonismo e representatividade das mulheres, claro.
Assim como a luta contra o racismo deveria e deve ser de todos, também claro e óbvio que a representatividade e o protagonismo deve ser d@s negr@s. É um pouco disso, sobre o que pensei aqui.